A gentileza de um espaço

Há uma arte esquecida nas calçadas.
Uma etiqueta silenciosa que já guiou os passos das pessoas, e hoje parece ter sido varrida pelo vento.

Ando pelas ruas como quem dança fora do ritmo.
Me esquivo de grupos que se espalham como muralhas humanas, ocupando toda a largura da calçada como se fossem os únicos habitantes do mundo.
Famílias inteiras, grupos de amigos, turistas distraídos... e eu ali, desviando, dobrando o corpo, esperando um gesto mínimo de atenção.
E nada.

Passar entre eles é como cruzar um labirinto de ausências.
Ausência de olhar, de noção, de gentileza.

Me ensinaram que o homem caminhava do lado da rua, a mulher do lado de dentro e isso é um gesto de proteção.
Hoje, ninguém mais olha para isso.
Aliás, ninguém mais olha.
Vivemos de cabeça baixa ou mergulhados na própria bolha.
A rua virou território de disputa, não de convivência.

No mercado, o cenário se repete.
Carrinhos abandonados como se fossem estacas de propriedade.
Bate-bocas silenciosos com ombros que esbarram sem pedir desculpa.
Um braço cruza à sua frente para pegar um pacote na prateleira, como se seu corpo fosse invisível.
Você se encolhe. E segue.

Quando alguém oferece passagem, diz um “com licença”, ou retribui uma gentileza… ah, parece milagre.
Aquele pequeno gesto aquece o dia inteiro.
Como se dissesse: “Ainda estamos aqui. Ainda sabemos ser humanos.”

É triste pensar que isso se tornou raro.
E mais triste ainda perceber o quanto nos acostumamos com a falta.

Caminhar deveria ser um ato coletivo.
Dividir a calçada, respeitar o espaço, oferecer passagem, são pequenos rituais que mostram o quanto reconhecemos o outro como alguém que também vive, também sente, também caminha.

Mas parece que estamos vivendo num filme esquisito.
Um onde todos correm para pegar o produto que você está vendo na prateleira, mesmo que haja mil iguais ao lado.
Um onde gentileza é fraqueza, e pressa é status.

Não quero fazer parte desse roteiro.
Quero seguir abrindo espaço e ajudando quem precisa.
E mesmo que a educação pareça solitária, sigo com ela, porque acredito que cada gesto educado é um convite para que o mundo retome o compasso.






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