Domingo de Ramos 2025
A procissão deste ano caminhou sob um céu diferente.
Não era azul como no ano passado. Havia serração, uma garoa que vinha e ia como se o céu estivesse indeciso entre chorar e abençoar. O frio leve colava nas roupas, na pele, nas palavras que saíam das bocas entre rezas sussurradas. Era um dia nublado — mas não era um dia apagado. A fé continuava acesa, firme como as mãos que seguravam os ramos. Mas pela primeira vez, notei outros olhos. Olhos que não caminhavam conosco. Julgavam à distância. Um homem, da janela de um carro, gritou: “Vão arranjar o que fazer!” — como se a oração fosse o oposto de ação. Como se caminhar em nome da fé fosse perda de tempo. Riram. Alguns. Não muitos. E mesmo assim, seguimos.
Eu notei a bainha da calça da moça à minha frente, completamente encharcada da chuva, pesando nos passos. Mas ela não parou. Notei uma criança no colo do pai, cansada, mas olhando o mundo com olhos grandes e brilhantes, como se entendesse tudo sem entender nada. Como se apenas sentisse.
Nas varandas, nos apartamentos, nos quartos de hotel, gente observava. Alguns em silêncio, outros em prece. Um casal se abraçava na janela, ouvindo as orações como se fossem uma música distante que toca o coração mesmo sem saber a letra.
O cheiro de mirra flutuava no ar, misturado ao frio. Pássaros cantavam, talvez por costume, talvez por fé também. E o sino da Igreja São Pedro tocava ao longe, chamando todos para a missa. E cada badalada parecia lavar um pouco da tristeza, das dúvidas, da chuva.
Talvez seja isso que a fé faz: chama pra dentro, mesmo quando lá fora o mundo parece rir.
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