Chovendo
As folhas estão caindo —
a chuva, forte demais.
São só três da tarde,
mas parece que já é noite.
Essas nuvens pesadas não vão embora.
Os minutos se arrastam, viram horas.
Estou correndo o máximo que posso.
Tudo que quero é chegar logo em casa.
Mas justo agora, no meio do caminho,
escorrego —
e ninguém estende a mão.
Tantas pessoas, tantos olhares.
Mesmo na chuva, os julgamentos estão soltos.
Estou cansada.
Chego em casa,
me lavo de tudo isso
e me jogo na cama.
Tapo os ouvidos,
fecho os olhos.
Mas minha mente não me deixa dormir.
Juro que estou me esforçando.
Me pego imaginando um mundo onde
tudo
teria sido diferente.
Nem sempre a chuva que nos molha vem do céu.
“Chovendo” fala sobre um tipo de tempestade que só quem já caminhou por dentro de si conhece bem: aquela que arranca folhas antes que o vento chegue, que pesa sobre a cabeça e se infiltra nos pensamentos mesmo depois do banho quente.
As folhas que caem, mesmo ligadas a troncos fortes, são um símbolo de fragilidade legítima — a lembrança de que até o que parece firme pode ceder quando a pressão se torna constante. A chuva, aqui, não é só água: é julgamento, exaustão, cobrança, medo.
O percurso da personagem é urgente, apressado, quase um pedido de socorro silencioso. Ela quer chegar “em casa”, mas o lar, nesse texto, não é apenas o espaço físico. É o refúgio. O ponto onde, teoricamente, o mundo não pode mais alcançá-la. Mas o mundo, infelizmente, mora dentro da mente também.
O escorregão no caminho e a ausência de mãos estendidas revelam o incômodo real de viver numa sociedade que exige força constante — como se cair fosse uma falha moral, e não humana. A indiferença dos outros, mesmo sob a mesma chuva, denuncia um coletivo sem empatia, onde todos parecem preocupados demais com suas próprias nuvens para olhar pro lado.
O texto caminha da rua até o íntimo, da pele molhada até o pensamento persistente. Porque, por fim, o esforço maior não está em atravessar a tempestade — está em lidar com os efeitos que ela deixa: o barulho que continua mesmo com os olhos fechados, a sensação de inadequação, a vontade de que o mundo fosse outro, mais gentil.
“Chovendo” é um desabafo com cheiro de roupa molhada, um poema de quem correu muito, escorregou, chegou em casa… e ainda assim, não encontrou descanso.
Mas também é, no último verso, uma fagulha de sonho: imaginar um mundo onde tudo teria sido diferente é o primeiro passo para não desistir desse.
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Seja forte.
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