Até amanhã


Após um longo sonho que já não recordo mais, abri os olhos de repente.
Fiquei congelada, estática no lugar, olhando para o teto, tentando me lembrar.
Por algum motivo, eu sabia que o sonho havia sido bom. Tinha a sensação de ter estado em um lugar novo, diferente... mas não conseguia lembrar.

Depois de alguns minutos frustrados tentando recuperar ao menos um segundo do sonho... nada.
Então me levantei, fui lavar o rosto.
Me olhei no espelho e vi meus olhos ainda um pouco inchados pela longa noite de sono.
Joguei água fria no rosto, e então, por um milésimo de segundo, a memória surgiu:
luzes cor-de-rosa atravessando pinheiros cobertos de neve.

Apoiei as duas mãos na pia e fiquei olhando para o nada, tentando me lembrar de mais alguma coisa. Mas aquilo era tudo, por enquanto.

Saí do banheiro e fui andando lentamente até a sala para tomar café.
Quando passei pela porta, outro pequeno lapso:
uma borboleta laranja com pintinhas douradas, repousada sobre o tronco de uma árvore branca.
Sorri. Fiquei feliz por ter me lembrado desse detalhe tão bonito. Pode-se dizer que me senti até satisfeita, achei que não me lembraria mais de nada.

Sentei para tomar o café.
Enquanto a fumaça da xícara tocava meu rosto, pensei em como seria incrível poder voltar àquele lugar… que nem mesmo me recordo por completo.
E então, ao encostar a xícara nos lábios, mais uma memória:
eu estava dançando e girando num campo de margaridas.
Uma lágrima escorreu no meu rosto. Uma lágrima de emoção.
“Que lugar lindo era aquele, Deus?”

O café quase esfriou de tanto eu pensar naquele sonho.
E então pensei: “Ah... foi só um sonho. Dificilmente irei voltar para lá.”
Fiquei triste.
Até a luz do sol foi tampada por uma nuvem naquele momento.

Mas uma voz, bem baixinha e calma, sussurrou, como se fosse mais uma lembrança daquele sonho:
“Até amanhã.”

Soltei um suspiro, daqueles que a gente solta depois de chorar.
Olhei para a janela.
A nuvem foi embora.
E o sol apareceu, tocando meu rosto como quem diz: “eu te amo.”



Entrelinhas Desbotadas✦

Nem todo sonho precisa ser lembrado por completo para deixar marcas.
O texto fala da delicadeza das memórias fragmentadas - daquilo que escapa, mas ainda pulsa.
Entre cafés, borboletas e luzes cor-de-rosa, existe uma saudade do que não se entende totalmente, mas se sente.
É sobre aceitar que o que é bonito nem sempre é nítido.
E que às vezes, a alma só precisa ouvir: “até amanhã” - para saber que aquilo que foi bom... pode voltar.



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